9 de maio de 2012



                                                                          Afinal não era outro caminho. Horas depois, um dia depois. Ouvi um grito: "Mudei de idéias. Não quero ir!" 
                                                                          E fui sozinha fechar o portão que não quiseste abrir.
                                                        E seguimos, mas nem este era já o mesmo caminho. Percebi mais tarde o insustentável peso de Ser.

8 de maio de 2012




                                                                           Um ano. A esta hora... Ouvi de ti palavras. Risos rasgados. Paz. Finalmente Paz. 
                                                                           Nunca tinha saboreado assim... a vida. Era a vida, sim. Estava ali outro caminho. Porque não?
                                                                           Era estranhamente doce com dor de barriga. Leve. Contigo!! Disseste: Vamos!
 


4 de março de 2012


Se já tentaste tudo - palavras, atitudes, acções - e mesmo assim não resultou... 
Desiste.

23 de fevereiro de 2012





QUE AMOR NÃO ME ENGANA

Que amor nao me engana
Com a sua brandura
Se da antiga chama
Mal vive a amargura
Duma mancha negra
Duma pedra fria
Que amor nao se entrega
Na noite vazia?
E as vozes embarcam
Num silêncio aflito
Quanto mais se apartam
Mais se ouve o seu grito
Muito à flor das àguas
Noite marinheira

Vem devagarinho
Para a minha beira
Em novas coutadas
Junta de uma hera
Nascem flores vermelhas
Pela Primavera
Assim tu souberas
Irma cotovia
Dizer-me se esperas
Pelo nascer do dia.

Zeca Afonso

11 de fevereiro de 2012


Nenhum de nós sabe o que existe e o que não existe. 
Vivemos de palavras. Vamos até à cova com palavras. 
Submetem-nos, subjugam-nos. 
Pesam toneladas, têm a espessura de montanhas. 
São as palavras que nos contêm, são as palavras que nos conduzem. 
Mas há momentos em que cada um redobra de proporções, 
há momentos em que a vida se me afigura iluminada por outra claridade. 
Há momentos em que cada um grita: 
- Eu não vivi! eu não vivi! eu não vivi! 
- Há momentos em que deparamos com outra figura maior, 
que nos mete medo. A vida é só isto?

Raul Brandão, in "Húmus"

7 de fevereiro de 2012



                                        As escadas... sem fim. 
                                        As portas... blindadas. 
                                        A parede... gigante, betão.
                                        As palavras... sons sem raízes.
                                        As acções... pontes, apenas pontes.
                                   

1 de fevereiro de 2012



                                      For you will never be enough... love and change are bullshit.

22 de janeiro de 2012



                                       Constróis muralhas intransponíveis... 
                                       Ninguém faz parte de ti... contigo.       

17 de janeiro de 2012

SÚMULA

Minha cabeça estremece com todo o esquecimento.
Eu procuro dizer como tudo é outra coisa.
Falo, penso.
Sonho sobre os tremendos ossos dos pés.
É sempre outra coisa, uma
só coisa coberta de nomes.
E a morte passa de boca em boca
com a leve saliva,
com o terror que há sempre
no fundo informulado de uma vida.
Sei que os campos imaginam as suas
próprias rosas.
As pessoas imaginam os seus próprios campos
de rosas. E às vezes estou na frente dos campos
como se morresse;
outras, como se agora somente
eu pudesse acordar.
Por vezes tudo se ilumina.
Por vezes canta e sangra.
Eu digo que ninguém se perdoa no tempo.
Que a loucura tem espinhos como uma garganta.
Eu digo: roda ao longe o outono,
e o que é o outono?
As pálpebras batem contra o grande dia masculino
do pensamento.
Deito coisas vivas e mortas no espírito da obra.
Minha vida extasia-se como uma câmara de tochas.
- Era uma casa - como direi? - absoluta.
Eu jogo, eu juro.
Era uma casinfância.
Sei como era uma casa louca.
Eu metias as mãos na água: adormecia,
relembrava.
Os espelhos rachavam-se contra a nossa mocidade.
Apalpo agora o girar das brutais,
líricas rodas da vida.
Há no esquecimento, ou na lembrança
total das coisas,
uma rosa como uma alta cabeça,
um peixe como um movimento
rápido e severo.
Uma rosapeixe dentro da minha ideia
desvairada.
Há copos, garfos inebriados dentro de mim.
- Porque o amor das coisas no seu
tempo futuro
é terrivelmente profundo, é suave,
devastador.
As cadeiras ardiam nos lugares.
Minhas irmãs habitavam ao cimo do movimento
como seres pasmados.
Às vezes riam alto. Teciam-se
em seu escuro terrífico.
A menstruação sonhava podre dentro delas,
à boca da noite.
Cantava muito baixo.
Parecia fluir.
Rodear as mesas, as penumbras fulminadas.
Chovia nas noites terrestres.
Eu quero gritar paralém da loucura terrestre.
- Era húmido, destilado, inspirado.
Havia rigor. Oh, exemplo extremo.
Havia uma essência de oficina.
Uma matéria sensacional no segredo das fruteiras,
com as suas maçãs centrípetas
e as uvas pendidas sobre a maturidade.
Havia a magnólia quente de um gato.
Gato que entrava pelas mãos, ou magnólia
que saía da mão para o rosto
da mãe sombriamente pura.
Ah, mãe louca à volta, sentadamente
completa.
As mãos tocavam por cima do ardor
a carne como um pedaço extasiado.
Era uma casabsoluta - como
direi? - um
sentimento onde algumas pessoas morreriam.
Demência para sorrir elevadamente.
Ter amoras, folhas verdes, espinhos
com pequena treva por todos os cantos.
Nome no espírito como uma rosapeixe.
- Prefiro enlouquecer nos corredores arqueados
agora nas palavras.
Prefiro cantar nas varandas interiores.
Porque havia escadas e mulheres que paravam
minadas de inteligência.
O corpo sem rosáceas, a linguagem
para amar e ruminar.
O leite cantante.
Eu agora mergulho e ascendo como um copo.
Trago para cima essa imagem de água interna.
- Caneta do poema dissolvida no sentido
primacial do poema.
Ou o poema subindo pela caneta,
atravessando seu próprio impulso,
poema regressando.
Tudo se levanta como um cravo,
uma faca levantada.
Tudo morre o seu nome noutro nome.
Poema não saindo do poder da loucura.
Poema como base inconcreta de criação.
Ah, pensar com delicadeza,
imaginar com ferocidade.
Porque eu sou uma vida com furibunda
melancolia,
com furibunda concepção. Com
alguma ironia furibunda.
Sou uma devastação inteligente.
Com malmequeres fabulosos.
Ouro por cima.
A madrugada ou a noite triste tocadas
em trompete. Sou
alguma coisa audível, sensível.
Um movimento.
Cadeira congeminando-se na bacia,
feita o sentar-se.
Ou flores bebendo a jarra.
O silêncio estrutural das flores.
E a mesa por baixo.
A sonhar.

  
(Herberto Helder)

15 de janeiro de 2012



                                       manhas submersas... de sal